Skip to content

Compras Indiretas: desmistificando o Compliance por meio de estratégias e resultados

 

.

.

 

 Você já ouviu o compliance ser usado como justificativa para cancelar ou atrasar um processo de compra? Frequentemente, a ausência de um plano estratégico para sustentar as transformações necessárias no departamento de compras transforma os procedimentos de mitigação de riscos em aparentes obstáculos ao desempenho corporativo. No entanto, quando bem implementado, o compliance deve promover processos mais seguros, transparentes e eficazes.

 

  1. O que é Compliance?

O compliance é o conjunto de processos que assegura transparência e conformidade na empresa, reduzindo riscos e garantindo resultados. Ele inclui o cumprimento de legislações, como as leis trabalhistas e a Lei Anticorrupção, e a criação de políticas internas que assegurem integridade em negociações. Essas políticas evitam que fornecedores sejam privilegiados devido à proximidade com funcionários da área cliente ou de compras.

Além disso, algumas empresas vão além do mínimo exigido para garantir maior segurança. Por exemplo, organizações com alta exposição à opinião pública podem incluir regras específicas para verificar vínculos políticos de seus integrantes ou fluxos financeiros que, apesar de legais, podem criar um vínculo virtual que, apesar de inexistente na realidade, pode trazer danos irreparáveis para os negócios.

A importância do compliance é evidenciada por dados alarmantes. De acordo com a “Association of Certified Fraud Examiners (ACFE)“, em 2021, 29% das fraudes descobertas poderiam ter sido evitadas por meio de procedimentos de compliance, gerando perdas financeiras significativas. Nos Estados Unidos, em 2018, fraudes corporativas resultaram em prejuízos de US$ 2,9 trilhões, dos quais US$ 253 bilhões estavam relacionados a compras indiretas.

Embora não exista uma fórmula única que funcione para todas as empresas, este artigo apresenta dicas práticas para implementar estratégias eficazes. Incluímos exemplos de pontos que demandam atenção especial a fim de criar uma estrutura robusta, que minimize riscos e promova uma gestão mais segura e eficiente.

 

  1. Indicadores Desconectados: O Primeiro Sinal de Alerta

“A estatística é a arte de torturar os números até que eles confessem. E eles sempre confessam” Abraham Laredo Sicsú, do Depto de Métodos Quantitativos da FGV em matéria na revista SUPER INTERESSANTE

.Um dos primeiros sinais de que uma área de compras está desconectada do negócio é quando seus indicadores internos apresentam ótimos resultados, mas os números globais da empresa seguem na direção oposta. Isso pode ocorrer por duas razões principais:

.FALTA DE FOCO NO CLIENTE: A busca por resultados isolados nos indicadores pode ser perigosa, especialmente quando esses números não foram previamente estruturados com transparência. Nesse caso, o indicador pode demonstrar uma melhora expressiva, mas permanece desconectado de problemas reais, como compras emergenciais.  

Exemplo: Postergações em processos de baixo impacto imediato, como reposição de estoque de peças ou manutenção de equipamentos e prédios. Embora essas postergações gerem economia no curto prazo, elas aumentam o risco de indisponibilidade operacional e de custos elevados com medidas corretivas e compras emergenciais. Na prática, o cliente não é atendido em detrimento da meta do departamento.

.

FALTA DE DIAGNÓSTICO E PLANEJAMENTO: Processos bem executados e compras concluídas dentro do prazo podem não refletir no resultado da empresa caso o diagnóstico inicial tenha ignorado itens importantes. Isso inclui processos não mapeados ou acordos aditivos feitos informalmente, como por e-mail. Quando o esforço da equipe está concentrado em itens de baixo impacto, os resultados estratégicos são prejudicados.

Exemplo: Enquanto o time de compras negocia contratos de limpeza ou restaurantes, um servidor de automação precisa ser substituído com urgência. A área técnica já havia alertado sobre a perda de garantias em contrato, mas, como o risco não estava claramente descrito nos termos, as tratativas estratégicas foram prejudicadas pelo pouco prazo disponível.

.

A desconexão entre indicadores e resultados é reflexo de falhas estruturais. Uma pesquisa global da PricewaterhouseCoopers (PwC) mostrou que 34% das fraudes corporativas estão relacionadas à processos da área de compras. No Brasil, a falta de capacitação é um problema significativo: 79% das empresas relatam dificuldades em treinar equipes internas e fornecedores sobre compliance e anticorrupção.

 

  1. Compras Como uma Área Estratégica de Relacionamento

                            imagem 01 – Compras e seus vetores de relacionamentos

.

A área de compras vai além da aquisição de bens e serviços; ela desempenha um papel estratégico no relacionamento com clientes internos, fornecedores, equipe e alta liderança.

Focar apenas em resultados de curto prazo, como lucros imediatos, pode comprometer fornecedores estratégicos essenciais no futuro. Da mesma forma, ignorar as necessidades dos clientes internos pode trazer rigidez a processos que demandam flexibilidade, especialmente em setores dinâmicos como o varejo. Por isso, é fundamental mapear os impactos de cada aquisição e alinhá-los ao compliance da empresa, considerando sua maturidade organizacional e capacidades atuais.

 

  1. A Importância do Diagnóstico e Planejamento

Antes de elevar os níveis de compliance, a área de compras deve diagnosticar a maturidade da empresa. Mudanças abruptas podem comprometer a aceitação interna e causar mais problemas do que soluções. A estruturação do compliance pode levar de um a dois anos, dependendo do grau de transformação cultural exigido.

Quando bem estruturado, o compliance gera resultados consistentes, reduz riscos e otimiza compras recorrentes e estratégicas, fortalecendo a sustentabilidade do negócio.

Na prática, após a maturação, processos robustos de compliance garantem mais do que a redução de riscos. O prazo para contratações diminui com a maturidade dos processos.

 

  1. KPIs Alinhados ao Negócio

Embora benchmarks e indicadores de mercado sejam relevantes, eles não devem ser a única referência. É necessário detalhar os indicadores para conectá-los ao dia a dia das áreas. Por exemplo, a existência de compras diretas de baixo valor e alta recorrência podem representar riscos maiores ao negócio do que compras pontuais de maior valor. Considere os dois casos a seguir:

Gerente A: Realizou 300 compras não recorrentes em um setor desestruturado, marcado por emergências e ausência de processos, indicadores e previsibilidade. O papel da equipe de compras seria ajudar a estruturar o setor, promovendo antecipação e metas incrementais para priorizar itens de maior impacto. Os benefícios vão além de compras, pois ajustar o processo de aquisição também melhora a disponibilidade de equipamentos e reduz a demanda por manutenções emergenciais.

Gerente B: Fez apenas duas compras relacionadas a um mesmo fornecedor, mas ambas apresentaram indícios de propina, pois faz parte das atividades de compras coletar a satisfação dos clientes internos quanto à prestação de serviços dos fornecedores contratados. A equipe de compras, ao avaliar os riscos estratégicos envolvidos, deve recomentar abordar o mercado para substituir o fornecedor e bloqueá-lo em futuras contratações

Esses exemplos mostram que KPIs precisam ser analisados em profundidade e cruzados com dados de outros processos e áreas para evitar decisões equivocadas.

 

  1. Como Implementar uma Transformação Cultural

A criação de uma cultura de compras exige mais do que a imposição de regras. Workshops dinâmicos, conectados ao dia a dia de cada setor, ajudam a demonstrar de forma prática a importância de seguir os procedimentos. Alinhar as metas de compras à realidade dos clientes internos torna o processo mais acessível e engajador.

Após os workshops, cada setor deve contar com um parceiro de negócios em compras — responsável por acompanhar indicadores, processos e, acima de tudo, ajustar o foco e as prioridades de forma conjunta.

No Brasil, pesquisas indicaram que 57% dos fornecedores não recebem treinamento em compliance ou anticorrupção, evidenciando a necessidade de integrar terceiros nesse processo.

 

  1. Conclusão

A área de compras é, acima de tudo, uma área de relacionamento. No cenário atual, a abundância de tecnologia e dados facilita a geração de insights valiosos, mas estes só se convertem em resultados com conexão e empatia entre as equipes e as áreas.

Adaptabilidade é fundamental no processo de transformação, garantindo resultados e confiança entre todas as partes envolvidas. Nenhuma empresa atinge eficiência máxima de forma abrupta, pois mudanças rápidas podem comprometer a aderência aos processos.

No varejo, onde a necessidade de adaptação é constante, a área de compras deve equilibrar a busca por resultados com a mitigação de riscos, mesmo quando aquisições fogem dos padrões estabelecidos. O segredo está no acompanhamento próximo, com indicadores realistas, e na capacidade de minimizar ocorrências que possam comprometer a disponibilidade operacional ou a reputação da empresa.

Ainda assim, independentemente do setor, é inevitável que surjam surpresas ao longo do tempo. No entanto, se o departamento estiver bem estruturado e a base tiver sido bem preparada, esses imprevistos serão apenas ajustes pontuais, sem impacto significativo para o negócio.

 

Escrito por Rodrigo Simionato
Diretor de Compras Indiretas na Plurix e Palestrante da 21º Fórum de Compras e Sourcing.

Assine aqui!

 

Comments

Fale com a gente no WhatsApp