Texto de Marcelo Nóbrega*
O mundo pós-moderno – ou líquido, como define o sociólogo polonês Zygmunt Bauman – está redesenhando o mercado de trabalho. Os vínculos parecem estar menos leais e menos duradouros. O ritmo das mudanças é frenético e lembra o de uma corrida em que não houvesse uma linha de chegada. A ambiguidade e a incerteza são as únicas certezas. Neste ambiente, parece normal que muitos esperem do departamento de recursos humanos a iniciativa de propor soluções para a insegurança instalada. Mas, alerta de spoiler: isto é um grande erro.
Em Amor Líquido, Bauman afirma que os relacionamentos entre as pessoas já não têm o tradicional compromisso de união e se tornaram uma simples sequência de experiências: são mais superficiais e mais curtos, visando objetivos individuais e imediatos. Nada parece feito para durar. As relações humanas estão mais instáveis, e já não temos certeza do que devemos ou podemos esperar. É como se pessoas fossem bens de consumo: os produtos (e relacionamentos) que não satisfazem precisam ser descartados. Com essa volatilidade nas relações, a insegurança passou a ser um componente estrutural da vida cotidiana, como o sociólogo explica em outro livro, Medo Líquido. O mundo está cada vez mais dinâmico, fluido e veloz: é um mundo líquido e frágil, onde os laços são momentâneos, onde se evita o comprometimento e a mudança parece o único elemento constante. Como acontece com nossos dispositivos eletrônicos, vivemos na busca incessante de versões atualizadas de nossas experiências.
Essa atitude também está se multiplicando no mundo corporativo. Um contingente cada vez maior de trabalhadores enxerga seus empregos como se fossem bens de consumo. O novo talento líquido anseia por experiências, quer se mover por várias áreas dentro da empresa, trabalhar em diferentes países – enfim, conhecer e conviver com pessoas de várias culturas. O objetivo é aprender um pouco de tudo e crescer em termos profissionais e pessoais. No passado recente, valorizava-se a profundidade de conhecimento. Trabalhávamos na mesma disciplina e, às vezes, na mesma empresa durante toda a vida. Hoje, o que conta é a amplitude de conhecimentos e experiências. Já não causa espanto ver engenheiros em Recursos Humanos ou advogados na área de Marketing. Sem dúvida, essa multidisciplinaridade traz benefícios tangíveis para a empresa. O rodízio de funções e de profissionais veio acabar com feudos e silos, derrubando tabus como “sempre se fez assim” e ampliando o apetite para o risco e a inovação.
Os vínculos de trabalho estão se tornando mais flexíveis e curtos. Trabalhadores e empresas criam e mantêm “alianças” enquanto existir interesse mútuo – mas sem perder de vista o interesse por um propósito maior no trabalho. A empresa precisa realizar projetos e os profissionais oferecem seus talentos, habilidades, conhecimento e capacidade de trabalho. Arranjos inovadores como trabalho por projeto (freelances que trabalham simultaneamente para várias empresas), job sharing (duas pessoas que se revezam na mesma posição), equipes autogerenciadas, nômades digitais, expatriações, jornadas parciais ou temporárias e atuação multidisciplinar – tudo isso vem se tornando cada vez mais comum. Em artigo recente para o La Nación, Alejandro Melamed, autor de Empresas Mais Humanas, descreve assim os “empregados bumerangues”: aqueles que deixam uma empresa para retornar no futuro, quando isso fizer sentido novamente. Nesse contexto, o termo carreira perderá o significado. O mais importante será a bagagem que o profissional irá acumulando através das diversas experiências em que aplicará seu talento.
O talento líquido apresenta duas características: adaptabilidade e versatilidade. No estado líquido, um material possui mais energia do que em seu estado sólido. Isso garante liberdade de movimento, e lhe permite adaptar sua forma ao recipiente que o contém – como a água corrente contorna obstáculos e vai ocupando todos os espaços vazios que encontra. No indivíduo, isso se traduz na capacidade de se adaptar a necessidades, situações e circunstâncias. E a versatilidade – que os dicionários definem, entre outras coisas, como “grande capacidade de mobilidade, agilidade” – é justamente a qualidade de fazer diferente. O talento líquido se sente atraído por oportunidades que saibam tirar proveito do seu melhor. Mais do que isso: ele busca, cria e brilha nessas oportunidades.
Para descrever o atual ambiente de negócios, o reconhecido futurólogo Bob Johansen emprega o conceito de VUCA (do inglês Volatility, Uncertainty, Complexity e Ambiguity, respectivamente: volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade), cuja origem parece remontar ao meio militar, criado por oficiais em ação na linha de frente para descrever ambientes instáveis e imprevisíveis. Mas é o próprio Johansen quem sugere, na reedição de seu livro Leaders Make the Future [Líderes que fazem o Futuro], que estes termos podem se transformar em “Vision, Union, Clarity e Agility (visão, união, clareza e agilidade)”, sem desfazer a sigla, e com ganhos para todos.
Efetivo e flexível, ágil e inovador, o talento líquido não diz respeito ao futuro: ele já é o presente. E as ideias de Bauman podem ser o elemento catalisador capaz de pôr em prática a sugestão transformadora de Johansen. Por isso, como nenhum profissional pode fugir ao protagonismo da própria carreira, não fique aguardando o RH, seu gerente ou qualquer outro pretenso salvador se manifestar. Trate de desenvolver, desde já, o seu lado líquido.
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*Além de Conselheiro da Febracorp University, Marcelo Nóbrega é Diretor de Recursos Humanos do Mc Donald´s no Brasil, autor do livro “Você está Contratado!” e coach certificado pela Universidade de Columbia. Em 2015 foi indicado pela Você RH como o melhor RH do ano no setor de Varejo.
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