O que é mais arriscado: Ser o técnico do time que caiu para a segunda divisão ou ser um gestor de estoque em tempos de crise? Tendo a acreditar que a resposta seja gerir um estoque.
Carlos Montagner, ex Diretor de Supply Chain da Danone e professor do Inbrasc, acredita que os principais desafios da função de gestor de estoque são: “garantir o equilíbrio entre o valor a ser investido e a necessidade do inventário e, não menos importante, controlar e monitorar sua utilização”.
Acrescente à receita inúmeras variáveis (econômicas, políticas, legais, sociais, etc) e a pior recessão da história do país, e temos o que? Um gestor de risco.
Todo bom gestor de risco, quer dizer, de estoque, precisa entender o cenário do mercado atual para, só assim, encontrar as melhores soluções para seu negócio. Vamos começar?
Estamos em crise e, no mercado, o nome da vez é: Fluxo de Caixa. O instrumento de gestão financeira que projeta, para períodos futuros, a entrada e saída de recursos da empresa é a principal ferramenta para controle de capital e tomada de decisões, e tem influenciado diretamente na sobrevivência das companhias. Diante de uma economia em recessão, a redução de custos é uma medida imediata. E qual foi a melhor maneira encontrada pelas organizações para tal? Baixar os níveis de estoque.
Segundo Paulo Leônidas, Diretor de Abastecimento do Grupo Pão de Açúcar e membro do Conselho Deliberativo do Inbrasc, atualmente, há uma forte pressão por parte das organizações para a redução do Working Capital – um dos principais indicadores para aferição da saúde financeira das empresas: “Na crise, eu preciso aumentar o meu recebido, porque as pessoas querem pagar em prestações cada vez mais longas. No entanto, se eu seguir a linha de meus clientes e prolongar demais o pagamento do meu fornecedor, ele quebra. Portanto, é muito mais fácil, tanto para a indústria, quanto para o varejo, ganhar financeiramente com a redução do estoque do que com prazo de pagamento e/ou recebimento”.
O problema acontece quando você passa a ter de arriscar negociações com estoque muito baixo e precisa administrar a cadeia com falta de produto. Para Paulo, as empresas brasileiras são ágeis no momento de baixar os níveis de estoque e cortar custos, mas muito lentas na recuperação: “É preciso pensar em toda a cadeia como um tubo: conforme ele esvazia, nossa economia providencia o chamado “efeito chicote” - definido como sendo a distorção da percepção da procura ao longo da cadeia de abastecimento – e, quando vazio, para abastece-lo novamente, não há velocidade”.
Segundo ele, este processo leva a um “efeito cascata complicadíssimo: a empresa dispõe de menos estoque do que deveria, leva o fornecedor a um sobressalto - porque a demanda necessária é maior do que ele é capaz de produzir - entrando, então, em um ciclo vicioso”.
Diante de tudo isso, o que acontecerá quando tivermos uma retomada da economia no Brasil? A resposta é simples: teremos um Apagão Logístico.
Este fenômeno acontece quando não há capacidade de produção, transporte, operação – e outros tantos setores da cadeia - pois a demanda aumenta significativamente num curto espaço de tempo sendo, então, mais rápida do que a capacidade de reação da empresa.
De acordo com Paulo, isso deve acontecer entre um ano ou um ano e meio. No entanto, o reflexo desta baixa já pode ser sentido hoje: “Por exemplo, as vendas do varejo estão caindo, pois estamos em tempo de crise. Pergunta se a falta de produto diminuiu. Ela só aumenta. Porque todo mundo vai direto no que é mais fácil de cortar que é o estoque. Então, por incrível que pareça, falta mais produto hoje do que faltava quando não estávamos em crise”.
Mas, acredite, você não precisa estar num período de recessão ou num Apagão Logístico para lidar com uma das crises mais frequentes do setor: o nível de serviço insatisfatório no atendimento ao mercado.
Verão. Férias. Brasil. Aposto que se eu pedisse para imaginarem um cenário perfeito levando em conta essas condições, muitos de vocês estariam se imaginando sob um guarda-sol, pés na areia, tomando aquela cervejinha gelada. Mas, e se eu dissesse que não haveria mais cerveja pelo resto da temporada? Um pesadelo, não?
Para Paulo, a falta do produto já foi causa de muitas dores de cabeça devido a problemas envolvendo o abastecimento de suas lojas nos meses mais quentes do ano: “Atualmente eu faço um pré-estoque. Chego a alugar um CD, por exemplo, com dez mil posições só para trabalhar com cerveja. Este é um case de sucesso que, se você parar para pensar, poderia ser encarado como um case de insucesso, pois tenho gasto maior com armazenagem. No entanto, neste caso, nossa leitura é: o investimento é válido em detrimento da possível falta do produto”.
Levando em conta os visíveis problemas provenientes do baixo nível de serviço de fornecedores esta não é - e nem será - a última crise do setor. Hoje, no Brasil, nós estamos muito abaixo da média. Em comparação com o mercado europeu ou, até mesmo, de outros países da América do Sul, enquanto eles trabalham com nível de serviço do fornecedor na casa dos 95%, nós trabalhamos por volta dos 70% - o que é muito baixo.
Sabemos que não há fórmula mágica para trabalhar com essa perspectiva, mas existem algumas boas práticas a serem consideradas a fim de minimizar os problemas decorrentes das mesmas: Entendimento do mercado consumidor, domínio da cadeia de abastecimento (do fornecedor do insumo básico ao momento de aquisição) e, PRINCIPALMENTE, um fluxo de comunicação que ajude a reduzir o tempo de resposta nas mudanças de cenário”.
Muito mais fácil que prever uma ação, é ser alertado sobre ela, certo? E, a não ser que você seja alguma espécie de vidente telepático – caso seja, não me incomodaria saber o próximo resultado da Mega Sena – a melhor forma para saber o que está por vir é através do diálogo.
Infelizmente o relacionamento entre cliente e fornecedores nas cadeias de suprimento tem se mostrado distante, individualista ou, até mesmo, conflituoso. Não há colaboração estratégica, pois, as empresas insistem em planejar e executar suas operações de forma isolada.
Paulo acredita que “o problema é que não há diálogo e acaba que todo mundo vai com muita sede ao mesmo pote. Às vezes, eu reduzo estoque no varejo e a indústria faz o mesmo movimento. Com isso, qualquer suspiro que eu der, nem eu terei produto, nem ele terá. E, então, ambos perdemos venda”.
Nos últimos anos, surgiram várias iniciativas para melhorar o fluxo de informação ao longo das cadeias de suprimento. A mais recente chama-se CPFR (Collaborative Planning, Forecasting and Replenishment).
O CPFR é um conjunto de normas e procedimentos que tem como objetivo principal obter, através de um planejamento compartilhado, maior precisão nas previsões de vendas e nos planos de suprimento. Esta iniciativa acaba por influenciar diretamente na diminuição dos estoques da cadeia e na obtenção de altos níveis de serviço, o que por sua vez, resulta no aumento das vendas.
Essa estratégia é funcional? Paulo afirma que sim. Também diz que o período de crise obrigou grandes organizações, como o Grupo Pão de Açúcar, a procurar alternativas - como o CPFR - para melhorar a relação com seus fornecedores: “Tanto para o varejo, quanto para a indústria, o CPFR parte de um princípio básico de transparência. Se eu consigo ser transparente dentro de uma discussão de demanda, ambos poderemos adotar estratégias conjuntas para a cadeia”.
Seria essa a solução para o problema de baixo nível de serviço do fornecedor? Segundo pesquisa da Syncra System, realizada com cerca de 120 grandes empresas do setor de bens de consumo, 79% das empresas pesquisadas estão envolvidas com a iniciativa e obtiveram resultados concretos desde sua implantação. Dentre eles: aumento nas vendas dos produtos, redução do erro de previsão, redução nos níveis de estoque com consequente aumento no giro dos mesmos, visibilidade para melhor determinar os parâmetros de reposição por loja e redução dos custos de planejamento de produção.
Legal, né? No post "CPFR: 5 Passos para aumentar o nível de serviço do fornecedor" você encontra um passo a passo de como implantar o processo na sua empresa.