Em tempos de COVID-19, muito se lê, se discute e se publica a respeito de como será o mundo após a crise. Muitos debates acalorados sobre as medidas econômicas tomadas pelos governos nos diferentes países, muita informação (e desinformação) em relação a possíveis tratamentos, protocolos de saúde e tudo mais que traga proteção, conforto e até esperança de que a sociedade, as rotinas e a vida volte a sua normalidade.
Certamente esta crise já mudou e mudará muitas dimensões da vida, da economia e da sociedade. É bastante razoável afirmar que, entre outras mudanças, teremos a aceleração da transformação digital em vários setores e segmentos. É fato que boa parte das pessoas têm investido mais e mais tempo na procura da informação para se planejar e tomar decisões de curto e médio prazo. E, embora expostas ao conteúdo e muitas vezes bem informada, muita gente não participa do processo decisório nas empresas em que atuam.
Vamos agora entender como funciona tipicamente o processo decisório para estabelecimento da Gestão de Crise e a coordenação de ações em grandes empresas.
O que é Crise?
Ao longo de minha carreira vi inúmeras vezes executivos de diferentes áreas declararem crise pelas mais diversas razões. Caiu o Market Share da categoria X nos últimos dois meses: CRISE. Não entregamos o objetivo de faturamento e lucro previsto no trimestre: CRISE. A fábrica tal está entregando volume menor de produção do que o previsto porque a linha YY não está rodando com o nível de eficiência desejado: CRISE.
Espero que um dos aprendizados para empresas e executivos seja realmente declarar CRISE quando ela de fato acontecer. Flutuações em participação de mercado, não atingir um resultado desejado em um trimestre específico ou alguma variação no volume de produção de uma fábrica podem e devem ser tratados com senso de urgência, com análise crítica e com bons planos.
No entanto, quando enfrentamos situações de alto impacto para a sociedade, para o mercado, consumidor, que coloque em risco (real) os funcionários, a empresa e as comunidades em que essa empresa está inserida, nesse caso sim, estamos tratando de uma crise. Uma vez definida a situação de CRISE, a sugestão é mover para as seguintes ações.
Passo 1: Formação de um Comitê de Crise
O Comitê a ser estabelecido obviamente vai depender do impacto e das diferentes consequências que a crise pode trazer para aquela empresa. Algumas abordagens são recomendadas:
a) limitar o número de pessoas no Comitê Central para tomada de decisão que deve ser ágil e focada nas questões centrais a serem resolvidas;
b) características e perfis complementares para formar o Comitê de forma balanceada: visão e perspectiva ampla de negócio, conhecimento profundo da organização e dos recursos internos e externos disponíveis e recursos com conhecimento técnico específico são as características necessárias para a tomada de decisão. É necessário o mix destas três para que boas soluções aconteçam;
c) ritual de comunicação entre membros do Comitê: pode acontecer diariamente e por várias horas no início da crise e tende a se espaçar, à medida que as principais decisões são tomadas e executadas.
Estabelecer o time multidisciplinar é provavelmente o passo mais importante para gestão adequada, ampla e efetiva da situação. Finalmente, muitas ideias de como lidar com a crise e bons projetos podem e devem surgir de diferentes áreas, funções e níveis da organização. Mas é extremamente importante que sejam levadas e amplamente discutidas dentro de uma lógica estabelecida na Gestão de Crise para ajudar a construir consistência de abordagem.
Passo 2: Estabelecer Princípios de Operação, Objetivos e Responsabilidades
Alinhamento dos PRINCÍPIOS e PREMISSAS utilizadas para o processo decisório, estabelecer objetivos claros e responsabilidades são ações necessárias para articulação da empresa de uma forma estruturada. Levando em consideração todas as relações que fazem parte do dia a dia da empresa: funcionários, clientes, fornecedores, consumidores, etc.
É importante notar aqui que em um mesmo contexto, empresas e setores inteiros poderão ter abordagens distintas para uma mesma questão. Uso como exemplo a COVD-19. Está claro que uma forma de combater a propagação do vírus pelo mundo é o isolamento social. Entretanto, a abordagem em empresas de alimentos, medicina e fabricantes de produtos de higiene de primeira necessidade não podem deixar de abastecer e servir o mercado em época de pandemia. Por isso, claramente as decisões e soluções para empresas aéreas e para empresa de alimentos certamente serão diferentes neste período.
A respeito das RESPONSABILIDADES, é importante determinar até onde irá autonomia de funções e departamentos dentro de uma empresa em situações de crise. Tipicamente, o grau de autonomia das áreas e funções diminui e a coordenação do processo decisório imediato passa a ser do Comitê de Crise. Decisões rotineiras do dia a dia como viagens, investimentos, alocação de recursos podem passar a ser responsabilidades do Comitê por um período de tempo. Novamente o objetivo passa a ser garantir consistência no processo de gestão da crise.
Finalmente, em relação aos OBJETIVOS: não há certo ou errado aqui. Há sim, uma necessidade de formalizar uma linha de ação, de modo que estrutura, recursos, comunicação e ações estejam todos sincronizados aos objetivos. O Comitê deve fazer escolhas claras e acionáveis para conseguir envolver toda a organização na execução.
Passo 3: Agilidade na Construção do Plano de Ação
Acesso rápido à informação de qualidade - o que significa de fontes confiáveis, internas e externas e de diferentes perspectivas - e análise crítica (quali e quantitativa, envolvendo especialistas), são os pontos principais para tomada de decisões assertivas. Monitorar notícias e informação, em diferentes mídias, fontes e de públicos distintos vai ajudar a separar fatos de desinformação e dará insumo para acelerar ou rever as ações.
Uma armadilha típica é simplesmente tentar reaplicar o que outro está fazendo, sem levar em conta o contexto em que a sua e a outra empresa estão inseridos. Pode dar certo, mas a chance é a mesma de jogar uma moeda para cima e acertar se vai dar cara ou coroa.
Passo 4: Comunicação
Estabelecer rituais e meios de comunicação com lideranças, funcionários, clientes, fornecedores, autoridades (se necessário) é fundamental para engajar e coordenar as ações. Novamente, não há uma única fórmula ou meio, normalmente há escolhas de caminho e é muito importante que na Gestão de Crise as informações fluam de forma orquestrada para não gerar distrações, exposições e retrabalhos. Parece óbvio, mas costuma ser um ponto de atenção em diversas situações.
Outra dica: estabelecer um plano de retomada dos negócios e da organização (deve ser desenhado durante a crise), revendo estratégias, impactos e aprendizados. E para finalizar: nenhuma crise é ou será eterna. Ter clareza disso ajudará a ter foco, resiliência e tranquilidade durante o período de turbulência.
Ricardo Rios, atual Diretor Executivo de Recursos Humanos da Coty para América Latina, atuou como diretor de RH em posições globais, regionais e de mercado em grandes empresas como Procter & Gamble e BRF.